sábado, novembro 25, 2006

Um Velório Pouco Perverso!


Está encerrando temporada neste final de semana o espetáculo Sonho de Uma Noite de Velório, com o Grupo Armação, dentro do projeto Ato Contínuo na Casa do Teatro, uma parceria com o Grupo O Dromedário Loquaz, ou seja, dois dos grupos com mais história em Fpolis.

Já havia visto o drama O Jardim da Delícias (meu primeiro post neste blog: Um Jardim Cheio de Boas Intenções!) e só agora pude assistir a esta comédia. Por um lado, é interessante poder assití-la somente agora, no fim de temporada, pois deu ao grupo a possibilidade de ganhar ritmo de espetáculo, necessidade básica da comédia. Por outro lado, a visão torna-se mais crítica, pois o grupo não tem a desculpa de que o espetáculo ainda não está maduro.

O texto (de Odir Ramos do Nascimento) parte de uma premissa simples para uma poderosa e divertida discusão sobre a mercantilização das relações humanas e a possível inversão de valores causadas pela mesma. Uma funerária (subsidiária da Super Coffin Inc.) prestes a completar 25 anos e atingir a marca de 50.000 clientes "satisfeitos" busca ajuda de um publicitário para aumentar o seu faturamento. Em contraponto, existe o núcleo dos empregados desta firma, que até certo ponto, deixam transparecer seus sonhos e necessidades, ainda não tão influenciados pelo "mercado".

A direção (de Antônio Cunha) percebe logo a linha cômica do texto e apoia-se sobre ela para conseguir os melhores momentos do espetáculo. Todo o início do espetáculo, apoiado sobre sólidas interpretações de Édio Nunes, Zeula Soares (era ela quem fazia a deliciosa figura da secretária na apresentação que assisti, mas reveza-se com Carin Dell'Antônio no papel) e Giovana Silva (num papel masculino) funciona como um relógio e a platéia diverte-se muito com o jogo. Na segunda parte do espetáculo, o diretor parece não compreender a perversidade do texto, que inicia um interessante contraponto entre o mundo dos negócios e a morte de alguém conhecido pelos funcionários, ou seja, alguém que não é apenas o morto 50 mil! O jogo, então, enfraquece e toda a trama vai ganhando contornos de banalidade, chegando à um final sem ápice!

O restante do elenco (Jaime Baú, Nana Álvares, Sandra Ouriques, Silvana Búrigo, Sandro Maquel e/ou Juliano Vargas), ao mesmo tempo que não compromete o espetáculo, também não contribui sólidamente para que o espetáculo obtenha mais nuances. Jaime Baú tem um papel de peso no espetáculo, mas sua interpretação resulta forçada e burocrática, com excessão da cena em que parodia a linguagem de sinais (libras), roubando a cena completamente.

Ao contrário do Jardim das Delícias, a cenografia parece deslocada na utilização das fachadas do casarão. Creio que funcionaria mais em um palco italiano, contrariando um pouco o projeto inicial. Figurinos, sonoplastia e iluminação são corretos, pode-se dizer até, sub-aproveitados.

Por mais que o grupo não ouse em pesquisar novas linguagens, o espetáculo resulta numa montagem coerente. O público responde muito bem, comparecendo em peso e lotando a pequena Casa do Teatro, incentivando ao grupo que continue em cartaz. Espero que aconteça. E que o diretor possa colocar um pouco mais de humor negro e perversidade no espetáculo. Ousar, de vez em quando, é bom!

terça-feira, novembro 21, 2006

Invadindo a Casa...


Volta em cartaz, no SESC Prainha, o espetáculo A Casa Tomada do Grupo E(x)periência Subterrânea, dirigida por André Carreira, com texto/roteiro de Silvana Garcia (a partir da literatura de Júlio Cortázar) e com atuações de Heloíse Baurich Vidor e Paulo Vasilescu.

Tentei encontrar algum material (release) sobre o que o grupo propunha com este trabalho, mas não consegui. O próprio programa do espetáculo não dá muitas indicações sobre o escritor, montagem, idéia, concepção... levando a crer que o grupo acredita que o espetáculo deve se explicar por ele mesmo (idéia com a qual, particularmente, compartilho!). Mas, em se tratando de Cortázar, não é uma tarefa simples.

Não havia lido o conto antes de ir ao espetáculo, logo não tinha nenhuma informação sobre o que iria presenciar. Neste sentido, terminei o espetáculo com bastante dúvidas sobre o que havia presenciado. A história é simples: Dois irmãos vivem em uma casa grande e levam uma vida solitária. Irene tece, sem parar. O irmão lia, mas já não há literatura decente. E assim eles vão levando suas vidas até que começam a ouvir estranhos ruídos em várias partes da casa e se dão conta de que a casa está sendo tomada. A trama desenvolve-se até que são "obrigados" a abandonar a casa e jogam a chave num bueiro, pois "se alguém decide entrar para roubá-la, vai encontrar a casa tomada".

Esta "alegoria do sentimento de invasão" apontada pela primeira vez por Juan José Sebreli no ano de 1964 em “Buenos Aires, vida cotidiana e alienação” (in SEBRELI, 2003: p.102), pode ser uma das chaves para a leitura do conto e, talvez, do espetáculo. Mas, afinal, de que invasão estamos falando neste caso? Que sentimentos é este? Com que situações contemporâneas podemos estabelecer links de pensamento? De que maneira o espetáculo aponta qual a sua real razão de existir? Arte pela arte?
A cenografia (de André Carreira) parece ser o grande achado da encenação. Auxiliada pela iluminação (também de André) nos ajuda a criar inúmeras imagens e sensações de distanciamento e perda. A maneira como os personagens vão ficando difusos, quanto mais se distanciam de nós e vão perdendo espaço na casa, pode também servir de indicação de possível leitura para o espetáculo.

Os figurinos (de José Alfredo Beirão) e a sonoplastia (assinada pelo Trio Koan: Diogo de Haro, Francisco Wildt e Jefferson Bitencourt) são apenas "corretos". O mesmo se aplica às atuações; neste caso com um melhor desempenho de Paulo Vasilescu, que consegue momentos mais consistentes e inspirados. Seu trabalho vocal resulta bastante interessante.

No todo o espetáculo resulta bastante instigante, mas talvez necessite deixar de ser tão hermético e oferecer chaves para uma melhor relação com o público. Capacidade para isto o grupo tem, como já podemos ver em trabalhos anteriores, tais como Album Sistemático de Infância e Women's.

domingo, novembro 05, 2006

Fly away, Butterfly...



Estreou dia 28 de outubro, em Florianópolis, na sala Lindolf Bell, o espetáculo Butterfly da Andras Cia. de Dança-Teatro. O espetáculo está inspirado na obra Madame Butterfly, escrita pelo americano John Luther Long em 1900. Quatro anos depois, foi adaptado para a linguagem lírica pelo italiano Giacomo Puccini. Daí em diante recebeu diversas montagens e versões pelo mundo.

Nesta montagem, de dança-teatro, não há texto falado, ou seja, não existem palavras pronunciadas pelos atores-bailarinos (Barbara Biscaro, Clara de Andrade, Juarez Nunes, Milton de Andrade, Monica Siedler e Samuel Romão) e além de ser uma espetáculo, também é uma exposição de artes plásticas contemporânea, composta por objetos cênicos (elaborados por Roberto Freitas, Roberto Gorgati e Herberth Bolaños) que envolve os participantes das apresentações.

O espetáculo dá seguimento à proposta do grupo de dar uma nova roupagem à obras clássicas (iniciada com Quixote, espetáculo premiado na Itália pela pesquisa e renovação poética sobre o tema), trabalhando nelas temas contemporâneos, atualizando-as, ou encontrando novos significados.

Por já conhecer a obra de Puccini, creio ter sido um pouco mais fácil o entendimento sobre o espetáculo (não que eu ache que o coreógrafo/diretor Milton Andrade queira que o espectador "compreenda" a obra em sua totalidade). Mas, não sei se uma pessoa que nunca tenha visto, ou lido, ou ouvido falar sobre a obra original vá ter condições de identificar alguns signos presentes no espetáculo. Os conflitos parecem mais esboçados do que realmente apontados nesta versão. O choque entre duas culturas (ocidental e oriental), entre o masculino e o feminino, entre os personagens não acaba de se esclarecer totalmente.

Por outro lado, resulta muitíssimo interessante o trabalho de vídeo realizado (Roberto Freitas e Roberto Gorgati). Não caindo na mera ilustração e sim propondo novos significados para a obra em andamento. A entrada das mãos que, algumas vezes, parecem manipular os personagens, em outras parecem acalentá-los e noutras ainda, parecem esmagá-los nos faz encontrar mil significados e/ou possíveis leituras.

Ao mesmo tempo, a utilização espacial da Sala Lindolf Bell parece carecer de maior unidade. Não consigo fazer uma ponte entre o que é para ser "visto" e o que é "instalação/cenário". Neste campo ainda, a direção e os personagens parecem não terem delimitado claramente seus "territórios". Onde estamos em cada momento da obra? Que lugar é esse? Espaço de encontro ou guerra? Que valor assume, em cada momento, cada espaço onde as coreografias acontecem?

Vale ressaltar o trabalho interpretativo de Monica Sidler (atuando com bastante inteireza em sua participação, oferecendo uma gama de sutilezas dentro da personagem) e o carisma de Clara de Andrade (realmente um encanto em cena!).

E, o que talvez seja o mais importante, percebe-se a clareza com que o grupo se aprofunda em seu trabalho. Oferecendo um espetáculo consistente que não se deixa seduzir pelo viés fácil do exibicionismo. Um grupo que ainda deve gerar belíssimos frutos em Florianópolis.