sexta-feira, setembro 14, 2007

Diversas formas de Ver a Cultura Popular!




O Festival Palco Giratório do SESC segue a todo vapor! Pelo teatro do SESC Prainha continuam passando as mais distintas produções teatrais do país e quem está perdendo a chance de acompanhar estes espetáculos, está perdendo a chance de entender um pouco mais sobre a produção das artes cênicas contemporâneas.

Durante esta semana tivemos a oportunidade de ver duas abordagens distintas da cultura popular que resultaram em dois espetáculos belíssimos, por motivos totalmente diferentes.

Do Rio Grande do Sul veio Sacy Pererê - A Lenda da Meia Noite, com a Cia. Teatro Lumbra de Animação, de Porto Alegre. Do Ceará veio Histórias de Teatro e Circo, com a Carroça de Mamulengos, de Juazeiro do Norte. Ambos os grupos trouxeram um outro espetáculo que, infelizmente, não pude assistir.

O espetáculo da Cia. Teatro Lumbra é inspirado no primeiro livro de Monteiro Lobato, contando uma história de Sacy assombrando um viajante. Para poder seguir viagem e reaver seus pertences, que o negrinho havia levado, este tem que demonstrar coragem e caçar a criatura. Com concepção e direção de Alexandre Fávero, que também atua junto a Flávio Silveira, o espetáculo exige coragem também das crianças, pois investe no clima de assombração e transforma o cenário em uma tela de sombras cinematográfica. As músicas e a beleza das imagens encantam o público de todas as idades com a releitura dessa história tão popular que ganha requintes estéticos.

Não há uma área ou elemento do espetáculo que não tenha sido pensada e, provavelmente, repensada. Nada é gratuito, tudo seu refinamento e acabamento impecável. Merece menção a direção de arte, assinada pelo próprio diretor (nada mais adequado do que ir buscar este termo nas fichas técnicas do cinema) e a cenografia, extremamente criativa.



A Carroça de Mamulengos nos traz a antítese perfeita do espetáculo anterior. Não estou colocando isto aqui como um critério de qualidade. Sua riqueza não está no acabamento da cenografia, nem na qualidade dramatúrgica (praticamente inexistente). Mas, é impossível não se render a esta família que carrega nas veias a arte pura, quase naif. Se o Sacy utiliza-se da cultura popular para criar um espetáculo, a família Gomide "é" a cultura popular.

O espetáculo é uma sequência de "brincadeiras" que nos apresentam vários personagens dos folguedos populares. Com muita música ao vivo e intervenções públicas vai conquistando os passantes do largo da alfândega. A burrinha, a cabrinha, o dragão, além da impagável "Miota" nos levam para um tempo que não é este que estamos vivendo. Assisti-los é como voltar para algum lugar perdido de nossa infância. Quem quiser encontrar no espetáculo algo além disso, está no local errado.

De todas as formas, seja por que caminhos for, a cultura popular ainda conseguiu render dois bons espetáculos. Muito diferente de outras produções que só utilizam a chita porque é uma matéria-prima barata e fácil de usar. Estas experiências nos mostram o contrário: Ou você é um artista popular ou você precisa criar com muito requinte para poder incorporá-la. Se não puder estar em um destes dois lados, nem entre em campo!

segunda-feira, setembro 10, 2007

Rio X São Paulo



Há muito existe um mercado teatral apoiado no pólo Rio X SP. Se, por um lado, este pólo parece, pelo menos olhando daqui de Santa Catarina, um bloco uniforme onde a produção teatral ganha cara e força de mercado cultural, basta colocá-los lado a lado em um festival que as diferenças gritantes começam a evidenciar-se e chamam a atenção até dos mais desavisados.

Não se trata de reafirmar a defasada idéia de que São Paulo é o berço do teatro dito de pesquisa e que o Rio de Janeiro é a casa das produções comerciais e superficiais. Tais afirmativas jogadas ao acaso são sempre limitadoras e preconceituosas em relação ao trabalho desenvolvido nestes grandes centros. Há muito podemos observar produções realizadas nestas cidades que contradizem essas afirmações. Agora, o que parece ser uma herança vinda destas tradições teatrais é uma certa diferença nos tratamentos visuais dados aos espetáculos. Um bom exemplo disto são os dos últimos espetáculos que assisti no Festival Palco Giratório nesta semana que passou.

De São Paulo veio Gota D'Água - Breviário com a Cia. Breviário, dirigidos por Heron Coelho e Georgette Fadel. O espetáculo, uma adaptação da Gota D'Água de Chico Buarque e Paulo Pontes ( que por sua vez é uma adaptação do mito grego Medéia para a realidade carioca) conta a história de Joana, mulher abandona pelo marido Jasão, sambista que acaba de gravar seu grande sucesso e que a abandona para casar com a filha de um empresário. Assim como no mito grego, o amor desmedido de Joana se converte em um ódio enlouquecido que acaba na morte dos filhos do casal pela mãe, seguida de suicídio (na versão brasileira).

Construído dentro de uma perspectiva épica, em palco arena, a direção praticamente abre mão de qualquer artifício imagético para se fixar na força das palavras e ações contidas no texto e nas músicas contidas no espetáculo, criando uma cena crua e dura de suportar nas 2 horas e meia de espetáculo. O texto, que se mantém brilhante, apesar de um pouco datado, e a interpretação de Georgette Fadel fazem valer a ida ao teatro. Fadel oferece uma variada gama de nuances à sua Joana e canta com propriedade. O restante do elenco (Cristiano Tomiossi, Alexandre Krug, Luis Mármora, Daniela Duarte, Flávia Melman, Luciana Paes de Barros, Alessandro Penezzi e Miró Parma) esforça-se para manter a cena viva, nem sempre atingindo este objetivo.




Do Rio de Janeiro vem Viagem ao Centro da Terra, com a Cia. de Teatro Artesanal, em um espetáculo voltado ao público infanto-juvenil, com direção artística de Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves. O espetáculo, adaptado do clássico romance de Júlio Verne, é de uma incrível concepção imagética, rico em detalhes e com uma grande variedade de técnicas narrativas, partindo da atuação e passando pela narração, cinema e teatro de bonecos.

O elenco (Cid Borges, Edeilton Medeiros, Kátia Kamello e Nilton Marques) tem plena noção do jogo em que se envolve, realizando transições de tempo e espaço para contar a história que parece impossível de ser realizada no teatro. Merece menção também os belíssimos figurinos e adereços assinados por Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves e a iluminação de Alexandre Nazareth.

A maior dificuldade do grupo parece ser realmente dar conta de um pesado volume de texto, necessitando de inventar jogos e ações que não se relacionam diretamente com o que está sendo contado. Parece oferecer aos espectadores "pequenos alívios cômicos" para a história maçante, o que não é de todo verdade. O clima de aventura extraordinária parece ser a grande chave do espetáculo - caberia apostar mais nesse sentido.

De toda essa relação entre Rio e São Paulo, uma coisa é certa: Por mais que se tenha uma cena crua (como em Gota d'Água) ou exuberante (como em Viagem ao Centro da Terra) é indispensável a presença de atores com preparação e competência para mantê-las. Georgette Fadel e o elenco da Cia. de Teatro Artesanal nos mostram essa verdade.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Grandes Personagens, Espetáculos à altura!




O Festival Palco Giratório, realizado pelo SESC, segue sua programação, trazendo sempre diversidade para a cena de Florianópolis. Os espetáculos assistidos mais recentemente trazem aos palcos personagens marcantes, sejam eles reais (Mario Lago) ou ficcionais (Capitú e Bentinho).


No dia 04 foi a vez de Capitú - Memória Editada, adaptação do romance Dom Casmurro de Machado de Assis pelo Grupo Delírio de Teatro, de Curitiba, PR.


Edson Bueno (autor e diretor) cria com seus atores uma linha paralela (metalinguística) ao romance original, sem perder nada de seu conteúdo e tornando-o atraente como linguagem teatral. Não é a toa que o espetáculo já recebeu os prêmios Gralha Azul de melhor espetáculo, direção e texto. O elenco (Janja, Regina Bastos, Marcelo Rodrigues e Tiago Luz) parece compreender e compactuar com as idéias do diretor, fazendo com que o espetáculo se torne compacto e adquirindo uma unidade impecável.


A produção do espetáculo também está criada corretamente, sem grandes arroubos de genialidade, mas condizente com as necessidades do trabalho. Merece uma menção especial a iluminação criada por Beto Bruel. No todo, um espetáculo que se sustenta do início ao fim, realizado com inteireza e competência.


No dia 05 foi a vez de Ai, Que Saudades do Lago!, novamente com o Núcleo Informal de Teatro, do Rio de Janeiro, RJ. O espetáculo repete a fórmula do outro trabalho da Cia (vide comentário anterior), inclusive com o mesmo elenco, direção e autor. Devo confessar que fiquei admirada com a versatilidade da atriz Claudia Ventura, que vai do cômico ao dramático em um piscar de olhos, qualidade esta extremamente necessária neste tipo de espetáculo narrativo.


Uma pequena modificação no formato do espetáculo é a incorporação à cena de elementos multimídias. Tanto o documentário exibido ao início do espetáculo quanto às imagens projetadas durante o mesmo nos auxiliam a compreender melhor as situações. Não é um elemento indispensável, mas também não prejudica o bom andamento da obra.


O festival segue até o dia 29. Ainda há muita coisa para se ver no SESC Prainha.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Um Giro pela Diversidade Teatral!



Começou, neste sábado, na unidade do SESC Prainha o Festival Palco Giratório Brasil / Florianópolis. Uma mostra de artes cênicas que traz à cidade os espetáculos que participam do Circuito Nacional de Espetáculos realizado pelo Serviço Social do Comércio.

Louvar esta realização nunca é perda de tempo. O SESC e essa ação, hoje em dia, são as maiores programações envolvendo a arte teatral. Além de realizar centenas de apresentações em todo o Brasil, o projeto também prevê oficinas, festivais, cursos, debates e toda uma sequência de festivais e encontros que mantém vários grupos atuando. Ou seja, é opção de lazer e entretenimento para milhares de pessoas e opção de trabalho para muita gente.


Em Florianópolis a programação foi aberta, no dia primeiro, pelo Grupo Depósito de Teatro, com o espetáculo Aquelas Duas. Fundado em 1988, em Porto Alegre, RS, o grupo foca seu trabalho no teatro popular, buscando o resgate da dramaturgia brasileira, e na busca de um espaço onde se possam criar relações mais próximas entre espectadores e atores.

O espetáculo (que não tem assinatura de direção na ficha técnica) foi criado a partir de improvisações criadas pelas atrizes Liane Venturella e Sandra Possani. O material resultante do trabalho inicial recebeu tratamento dramatúrgico de Nelson Diniz (que também assina a orientação para a atuação). Nele, conta-se a história de duas prostitutas que dividem uma casa e suas ações cotidianas e repetitivas. O texto parece beber, em alguns momentos, em trabalhos do teatro dito absurdo, principalmente no jogo da "dupla" que não se suporta mais e não consegue partir. Algumas cenas levam as personagens a indagações metafísicas, outras passam pelos mais banais dos momentos buscando encontrar raízes mais profundas para tais ações.

A produção do espetáculo é bem realizada, com figurino e maquiagem de Heinz Limaverde, um belíssimo cenário de Nelson Diniz e Serginho Etchichury e uma luz correta de Cláudia de Bem. A atuação é também correta, talvez um pouco prejudicada pela falta de consistência do texto. Um espetáculo que resulta em momentos instigantes, mas que peca pela falta de unidade.


Nos dias dois e três, a programação seguiu, trazendo do Rio de Janeiro, RJ o espetáculo Antônio Maria - A Noite é Uma Criança do Núcleo Informal de Teatro. O musical, dirigido por Joana Lebreiro, tem no elenco os atores Cláudia Ventura, Alexandre Dantas e Marcos França (que também assina o texto) e os músicos Fabio Nin, Daniel Máximo e Geórgia Câmara (fazendo um belo acompanhamento, diga-se de passagem).

Para contar (literalmente) a história do compositor pernambucano, a direção opta por ambientar o palco como um bar, reduto da boêmia carioca, onde Antônio Maria passa a maior parte de suas noites na companhia de outros intelectuais da época. Bares estes onde o mesmo irá falecer em 1964, vítima de ataque cardíaco.

Se em Aquelas Duas o público era convidado a participar de uma interpretação estilizada, neste Antônio Maria o que impera é o realismo (quase televisivo). O espetáculo funciona muito bem, agradando ao público pela qualidade vocal e trazendo uma interpretação impecável de Cláudia Ventura. Só a possibilidade de vê-la cantar e interpretar já vale o valor do ingresso.

O festival se estende até o dia 29 deste mês. Se você ainda não tem, corra até o SESC e pegue a sua programação! A julgar pelas duas primeiras atrações, algumas das melhores produções do país estarão em Florianópolis em setembro. Aproveite!