terça-feira, outubro 14, 2008

Se é samba que eles querem....


Após a avalanche inicial de "revolta e desespero" a partir dos escritos de Aline Valim, eis que o cenário teatral da Ilha de Santa Catarina retorna a seu estado natural. Ou seja, nada ou muito pouco acontecendo. Algumas conversas rolaram que puderam servir para animar algumas pessoas a ocupar os espaços vagos existentes no nosso cenário teatral.

Nestes dias andei trocando comentários com Stephan Baumgärtel, falei por msn (microfone) com o Daniel Ludwich (agora já tenho uma pessoa que pode afirmar que eu não sou o Marco Vasques), li os textos publicados no novo blog da Aline e recebi por e-mail um texto crítico assinado por Daniel Olivetto para o espetáculo "O Contra Regra" do grupo Cirquinho do Revirado, de Criciúma, SC criado para uma disciplina na UDESC.

Fiquei bastante intrigada com o texto escrito pelo Daniel (como ele foi tornado público pelo Reveraldo, vou disponibilizá-lo abaixo para aqueles que não o leram) e me perguntei: É este tipo de análise que eles esperam que se faça do teatro de Santa Catarina? Uma análise crítica inócua que mais parece um texto criado para ser colocado na home-page do grupo. (Não estou discutindo aqui o espetáculo e prometo fazer um texto com comentários sobre o mesmo após assistí-lo novamente!)

O texto escrito por Daniel Olivetto (valente defensor de Jeferson e Marisa no episódio "Aline") não aponta um único aspecto negativo da obra do grupo de Criciúma. Não há nenhum senão a ser levantado no mesmo? O espetáculo é perfeito? Duvido que os próprios atores e o diretor d"O Contra Regra" não tenham várias observações sobre o mesmo.

Eu vi o espetáculo duas vezes durante a programação do FITA e mesmo que possamos ter visões muito contrárias sobre um trabalho havemos de convir que o texto escrito por Daniel não condiz com a realidade. Desculpem a ironia, mas talvez um pouco de anonimato para o autor esquecer que estava escrevendo sobre um grupo de amigos faria bem ao seu juízo crítico.

E como já disse Barbara Heliodora em uma entrevista de 2003: "Se uma pessoa faz uma coisa que está toda errada e você, para ser bonzinho, diz que é ótimo, ela vai piorar cada vez mais. O ideal seria se todos tivessem um amigo que dissesse: "Isso está um horror, não está pronto, está uma porcaria." Há muita auto-indulgência. É preciso que se diga a verdade, mas a minha verdade não é de papa. Há vários críticos, cada um tem a sua opinião."

* segue abaixo o texto do Daniel Olivetto, como prometido:

O(S) CONTRA-GREGA(S)

Crítica sobre o espetáculo “O Contra-regra” do Cirquinho do Revirado [Criciúma – SC]
Por Daniel Oliveira da Silva [Daniel Olivetto]

Trabalho da disciplina de Crítica Teatral I, ministrada pelo Prof: Stephan Baumgäertel, no Curso de Licenciatura em Artes Cênicas do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Graduandos em Artes Cênicas pelo CEART – UDESC. Atores e diretores da Companhia Experimentus (Itajaí – SC).



A história do teatro é repleta de luz e de sombra. Há aqueles que estão no foco, no centro da cena - os atores - em geral os sujeitos mais admirados talvez por desenvolverem um ofício dito virtuoso e cheio de mistérios. Depois temos o diretor e o autor, objeto de admiração de muitos, criadores que ocupam outro tipo de foco, mesmo que não expostos à luz dos refletores. Depois temos cenógrafos, figurinistas, técnicos, em geral pouco conhecidos, ainda que saibamos o nome de pelos menos alguns. Mas, alguém se recorda do nome de algum contra-regra?

O ambiente circense e seus bastidores é o espaço de “O Contra-regra”, montagem do Cirquinho do Revirado, de Criciúma, apresentada no Teatro Municipal de Itajaí há duas semanas, espetáculo que traz à cena uma bem humorada discussão sobre estas hierarquias nos focos teatrais, sobre os que ocupam um lugar sob os refletores a aqueles que mal lembramos existir. No circo, nossos olhares estão sempre sobre o mágico, a bailarina, o equilibrista, os palhaços, e tantas outras atrações. Mal sabemos que logo ali, atrás da lona, num espaço caótico e cheio de objetos, roupas, adereços, há um personagem central para um bom espetáculo: um contra-regra.

Na montagem do Cirquinho do Revirado, grupo que há cerca de dez anos vem se dedicando a distintas formas de trabalho com bonecos e com as linguagens circenses, o ator Reveraldo Joaquim atua por meio de um boneco preso ao seu corpo, compondo o personagem título da obra. As pernas e braços do ator servem de membros ao boneco, enquanto o tronco e a cabeça do boneco são independentes, formando uma figura que praticamente funde ator e boneco: espuma, látex, tinta, mecanismos fundidos a um organismo vivo. Assim, nosso contra-regra é um grande e magrelo ator-boneco, de trejeitos cômicos, por vezes perversos, e até misteriosos.

A platéia está posicionada do outro lado da lona e nosso espetáculo conta a história de uma noite do contra-regra – se é que há a busca por uma história. Atrás cortina que divide picadeiro e bastidores vemos o contra-regra em meio aos seus “a fazeres”, enquanto se projetam na lona ao fundo da cena, sombras dos números que a platéia do circo assiste. Há, portanto, uma inversão de foco proposta pelo do espetáculo: assistimos ao outro lado da exibição de uma noite circense em seu tempo real acompanhando os bastidores e o agitado trabalho de nosso personagem central. Ele passa roupa, puxa corda, limpa chão, entrega os adereços dos números aos personagens, prepara a cartola do mágico, amarra sapatilha da bailarina, encoraja o anão a entrar em cena, vende pipoca, e ainda é a atração de um número de salto mortal ao fim da peça. Em meio a tudo isto ainda arruma tempo para cuidar de sua comparsa, um boneca por ele manipulada... cuidados que lhe preenchem estes poucos tempos que sobram.

Do lado de cá, acompanhamos os números que o circo exibe do lado lá, não apenas por meio das sombras projetadas na cortina, mas também através da trilha sonora que brinca com as sonoridades dos antigos circos, os ruídos animais, e as falas do apresentador, tudo numa única composição, criando uma sonoridade constante do lado de lá e um silêncio no plano do contra-regra.

A dramaturgia parece simples: estamos assistindo a uma noite na vida de um contra-regra. Não sabemos quem é mesmo este sujeito. Não parece ser o objetivo da montagem que saibamos se há alguma força que o impede de ocupar outra função. Ele é feliz ali? Ele se sente mesmo sozinho? Para onde vai o contra-regra quando acaba a sessão? A dramaturgia propõe o acompanhamento do momento presente, suas imagens e curtos acontecimentos, não estabelecendo uma dramaturgia tradicional, já que não parece haver um grande conflito a ser desenvolvido. Os pequenos conflitos que surgem se resolvem ao fim de cada número e outra tarefa surge para o contra-regra, e assim sucessivamente. A história aqui é a história de um dia, como nossos dias às vezes podem render um bom texto feito de pequenas histórias, fragmentos que mais pretendem sugerir do que responder.

Uma dramaturgia com aberturas como estas parece alimentar as possibilidades de sobreposição que o espetáculo apresenta. A sobreposição de níveis de atuação-manipulação, por exemplo, é bastante inquietante e precisamente realizada. Reveraldo que atua por meio do boneco “contra-regra”, ainda manipula a pequena comparsa por meio do próprio “contra-regra”. O que parece complexo no verbo soa bastante natural na cena, assim, deixando claros os momentos em que a boneca está em cena como um objeto - em meio a tantos outros na bagunça dos bastidores -, e os momentos em que esta ganha vida por meio da manipulação de outro boneco para lhe fazer companhia. A relação entre o contra-regra e sua pequena comparsa rende os momentos lacrimosos na trama... e enquanto nos emocionamos, ouvimos fungadas e suspiros pela platéia, em momentos criados com delicadeza, sem cair na emoção fácil.

Chama a atenção em “O Contra regra” variadas camadas que o espetáculo desenha tanto sentido da atuação-manipulação, quanto nas relações entre o espaço de lá e de cá. Normalmente ao ver um espetáculo, sentimos uma grande curiosidade pelo que está do outro lado da cena, para ver como os são os bastidores (Como ocorrem os truques? Como são os mecanismos? Como o cenário é trocado tão depressa?) Aqui a curiosidade é oposta: vendo os bastidores, nos fica o desejo de conhecer os números do circo, que só acompanhamos por sombras e sons. Assim, a direção de Jackson Zambelli costura de forma delicada e precisa nossas possibilidades de estar lá e cá.

O contra-regra é o sujeito sem o qual o circo nunca funcionaria. Seu trabalho, pouco reconhecido, escondido fora da área de luz, é o que permite que cada coisa esteja em seu devido lugar, e faz com que tudo funcione precisamente (ainda que o bastidor após a apresentação esteja intransitável de tantos objetos pelo chão). Mas, em determinado momento do espetáculo, me dou conta de que ali atrás há uma atriz (Yonara Marques) que é a contra-regra da peça. Quem se despe da sapatilha e as atira para o contra-regra (Reveraldo) é uma outra contra-regra, e não a bailarina. O mágico que lhe entrega a cartola é também Yonara. Ainda que só possamos nos dar conta disto ao fim da peça, a dimensão que está no limite entre o real e o ficcional é talvez o elemento mais sensível do trabalho: perceber que nada funcionaria sem uma contra-regra lá e um contra-regra cá. No espaço ficcional de lá há todo um circo, mas no espaço real de lá há “apenas” Yonara, a contra-regra, em meio a uma bagunça de objetos e apetrechos igual a que Reveraldo está envolto do lado de cá. Particularmente, penso que a história de “O Contra-regra” é esta história de uma noite, um trabalho que nos atira na bagunça dos bastidores pra falar de nossas próprias funções no teatro, os que estão do lado de lá, os que estão do lado de cá. Os que estão na luz e os que estão nas sombras, seja a luz e a sombra o que quer que pensemos.

8 comentários:

Daniel Olivetto disse...

Oi Autor do Blog (por que eu já nem sei com quem estou falando)!

Meio sem paciência, vou responder por tópicos rápidos:

1) Este é um exercício feito para a disciplina de Crítica do Stephan Baumgaertel, que enviei para o Reveraldo, e ele colocou na rede. Nem sei o que o Stephan achou do trabalho e se o deveria publicar. Enfim, só esclareço que ele chegou a web antes de um parecer do Stephan Baumgaertel, mas que eu autorizei o Reveraldo publicar, sem imaginar que ia pra web já, mas tudo bem. Não 'este o problema.

2) "Valente defensor de Jefferson e Marisa"?). Não tome o que escrevo como algo pessoal, pois faço muito esforço para não tomar tudo o que você escreve como pessoal também;

3) Como diria o Win Wenders: "prefiro escrever sobre o que gosto. Decidi que não iria mais gastar tempo analisando o que me desagrada". Enfim, é um ponto de vista muito específico. Gosto muito do "Contra-regra", e resolvi escrever sobre ele. Há críticas fantásticas, que são verdadeiros estudos sobre arte, escritos sobre obras que o crítico detestou... é outro ponto de vista. Pode-se escrever sobre o que se quer.

4) Ninguém espera que suas críticas sejam como este meu "texto para portifólio" (aliás, vai pro portifólio mesmo!), mas que se discuta algo sobre a obra, o que é diferente de ficar dando vereditos grosseiros.

5) Se você não acredita que é possível discutir uma obra - e para além dela - tendo adorado ela, sugiro ler mais...

Daniel

Daniel Olivetto disse...

à propósito... eu optei por escrever sobre o espetáculo... portanto, o anonimato não ma ajudaria em nada...

Que tal escrever uma crítica sobre o Contra-regra... nas mesma sessão outras pessoas não tiveram a mesma sensação que eu...

conheço gente que detesta o espetáculo... e "a realidade" para estas pessoas é outra, entenda-se "realidade" como o que quiser. Mas, pra mim falar em "a realidade" é bem próximo de falar em veredito, não acha?

abraços,

Daniel

Sara Kane disse...

Pode me chamar de Sara mesmo Daniel.

Como coloquei no texto que você acabou de ler, estarei escrevendo meus comentários sobre o espetáculo, ainda esta semana.

Daniel Olivetto disse...

Sara:

Lerei o texto sim, e acho que já é uma boa discussão sobre a peça. E pode ser que eu reveja coisas, como é comum acontecer.

O FIT - Rio Preto há umas duas ou três edições tem convidado críticos importante do Brasil para escrever sobre a mesma obra, o que gera dois textos extremamente distintos. Duas reflexões. Acho isso muito mais formativo que ler só uma opinião.

Desculpe o tom grosseiro da minha resposta, mas acordei e dei de cara com seu texto e me alterou o humor por completo.

Abraço,

Daniel

Cirquinho do Revirado disse...

Oi gente! sou Reveraldo, gostaria de me desculpar por mandar o material do Daniel Oliveto para todos. Não queria que isso virasse ponto de discussão. Só queria mostrar minha alegria de estar podendo fazer um espetáculo que “agrade” algumas pessoas. Tenho certeza que nosso trabalho do FITA até agora ganhou muito em termos de qualidade técnica, mas teatro é isso, é momento.

Só acho estranho alguém querer fazer uma critica de um trabalho para retrucar o outro. Daqui a pouco ninguém vai poder gostar de mais nada.

para contribuir vou encaminhar a critica da MARICI SALOMÂO também
abraço.

O FENTEPP









27/9/08




Crítica do espetáculo O Contra Regra




SINGELEZA PARA O BEM

Para além da simplicidade comovente na forma como trabalha os procedimentos cênicos, acentuando uma atmosfera mambembe na manipulação de bonecos, no teatro de sombras e nos objetos cênicos, o espetáculo O Contra Regra, de autoria de Jackson Zambelli e Reveraldo Joaquim e direção do primeiro, se traduz num depoimento sobre a vida do artista mambembe, aquele que "mata" dois ou mais leões por dia para garantir sua sobrevivência. A montagem, porém, se mergulharmos mais ao fundo das intenções do Grupo catarinense, o Cirquinho do Revirado, carrega uma força poética sofisticada.
No plano do visível temos o personagem Contra Regra movimentando-se em dia de espetáculo – este acontecendo atrás da cortina, fora do campo do palco. Mas se considerarmos o contrário da ficção, ou seja, o ato teatral de fato, o que temos passa a ser um artista no palco, o Reveraldo Joaquim, manipulando um boneco com cabeça gigante, e um contra regra atrás da cortina, ou melhor, UMA contra regra, a Yonara Marques, executando por trás do pano os números do Contra Regra.
Esse espelhamento do campo do real no plano da ficção, e vice-versa, demonstra a sensibilidade do grupo em criar suas histórias para teatro em torno de uma sofisticação de conteúdo. Assim, a história que se passa nos bastidores do circo vai ficando mais saborosa na medida em que vai se tomando consciência da importância da parceria real na execução de cada quadro. E há muita graça também, acompanhando cada um deles.
O Contra Regra da peça tem por missão realizar seu trabalho cotidiano, dando suporte aos artistas que se apresentam – o Anão, o Domador de Leões, o Mágico, a Bailarina etc. Claro que se mete sempre em situações difíceis, resolvendo-as de forma insólita.
Há graça no Leão que foge em meio à apresentação, durante um curto-circuito, no Anão que se recusa a virar bucha de canhão e até no Coelho da cartola do Mágico que vai parar na panela de ensopado. O público se diverte. Nesse sentido, e respeitando a extrema simplicidade (pode-se dizer rusticidade) com que cada quadro é executado, talvez não seja muito justo apontar problemas ocasionais, como a falta de uma precisão maior no tempo de cada cena (basta pensar nos blackouts muito longos para os vários aparecimentos do Leão), ou o pouco compromisso com gestos politicamente corretos, como levar em conta a recente e feliz proibição do uso de animais no circo ou o refreamento da piada de jogar um coelho-boneco vivo no caldeirão de água quente.
Bem, por outro lado, se um festival tem por meta refletir criticamente sobre cada espetáculo, aqui ficam as sugestões.


Fonte: Marici Salomão, dramaturga, jornalista e crítica teatral convidada pelo Fentepp

Sara Kane disse...

Olá Reveraldo.

Tentei discutir o "senso crítico" ausente no texto do Daniel. Mesmo gostando de uma obra podemos ajudar a melhorá-la sempre.

Como você mesmo diz "seu espetáculo melhorou muito" depois das apresentações no FITA. E só deve ter melhorado porque alguém (ô grupo mesmo, o diretor, amigos) pode perceber que havia "onde" melhorar.

O texto escrito pelo Daniel ajuda seu grupo a melhorar no quê?

Marcos Klann disse...

Desculpe Sara, mas como só o Daniel e o Reveraldo se manifestaram aqui, tenho que dizer uma coisa. Fazer a crítica da crítica não é trabalho do crítico! Abraços

Sara Kane disse...

Olá Marcos
Concordo com você.
Mas não podemos esquecer o contexto em que esse texto foi escrito. No auge das críticas sobre o caso Aline Valim, onde em um determinado momento a validade do que outras pessoas escreviam estava sendo colocada em dúvida.
Resolvi eu mesma colocar em dúvida as outras vozes que estavam escrevendo por aqui.
Acho que se você olhar por este prisma, vai encontrar alguma validade no que "tentei" fazer.
Beijo