segunda-feira, outubro 20, 2008

Crônica publicada no DC (15/10/08)

O papel da crítica

Em fevereiro de 1980 foi publicado por aqui o artigo O crítico papel da crítica. As epígrafes saíram do então Novo Dicionário Aurélio:

"Crítico. Adj. Grave, perigoso. Embaraçoso, difícil, perigoso."

"Crítica. S.f. Arte ou faculdade de julgar produções de caráter literário, artístico ou científico, ou outras manifestações dessa natureza. Juízo crítico; discernimento, critério."

Prosseguia o texto, após citar um duelo a floretes:

"Trocando em miúdos: a função da crítica é julgar produções de caráter literário com discernimento, critério. O objeto da crítica é pura e tão-somente a obra; o criticado é o livro, e não o autor. Daí porque não faz sentido alguém se julgar pessoalmente (ou até moralmente) ofendido por um juízo não muito favorável a um trabalho seu - são contingências inerentes a quem se expõe publicamente ao editar alguma obra. E se a crítica adversa e justa não sair em letra de forma, sairá ao menos oralmente, de boca em boca.

Por outro lado, se à crítica falecerem seus atributos indispensáveis de discernimento e critério, sosseguem, pois não terá havido crítica, apenas um amontoado de mesquinharias - ou de aplausos ocos e risíveis, conforme o caso.

O fato é que os escritores costumam detestar opiniões desfavoráveis a seus livros, contos, poemas ou crônicas, enquanto os críticos temem comprar a inimizade dos autores se forem muito sinceros no que têm a dizer. E chega-se assim à situação atual em Santa Catarina, com pouquíssimos críticos militantes a transmitirem a imagem de uma invejável uniformidade na produção literária que se faz no estado. Não há referências marcantes, tudo o que se publica apresenta diversos pontos positivos dignos de nota - e nunca se ressaltam eventuais e inevitáveis traições às nobres e boas intenções do autor.

A crítica, parece-nos, só pode ser útil no momento em que analisar uma obra, qualquer obra, de uma forma global, com seus prós e contras. Ademais, seria no mínimo excesso de pretensão do crítico imaginar que sua apreciação será definitiva, condenando ou glorificando inapelavelmente obra e autor.

O que parece necessário observar é o papel fundamental da crítica para o bom desenvolvimento de uma literatura. Ideal seria se houvesse mais críticos a analisar a quantidade do que se produz em SC, inclusive até com opiniões divergentes sobre determinada obra."

O que mudou em 28 anos?

(Amilcar Neves, escritor)

terça-feira, outubro 14, 2008

Se é samba que eles querem....


Após a avalanche inicial de "revolta e desespero" a partir dos escritos de Aline Valim, eis que o cenário teatral da Ilha de Santa Catarina retorna a seu estado natural. Ou seja, nada ou muito pouco acontecendo. Algumas conversas rolaram que puderam servir para animar algumas pessoas a ocupar os espaços vagos existentes no nosso cenário teatral.

Nestes dias andei trocando comentários com Stephan Baumgärtel, falei por msn (microfone) com o Daniel Ludwich (agora já tenho uma pessoa que pode afirmar que eu não sou o Marco Vasques), li os textos publicados no novo blog da Aline e recebi por e-mail um texto crítico assinado por Daniel Olivetto para o espetáculo "O Contra Regra" do grupo Cirquinho do Revirado, de Criciúma, SC criado para uma disciplina na UDESC.

Fiquei bastante intrigada com o texto escrito pelo Daniel (como ele foi tornado público pelo Reveraldo, vou disponibilizá-lo abaixo para aqueles que não o leram) e me perguntei: É este tipo de análise que eles esperam que se faça do teatro de Santa Catarina? Uma análise crítica inócua que mais parece um texto criado para ser colocado na home-page do grupo. (Não estou discutindo aqui o espetáculo e prometo fazer um texto com comentários sobre o mesmo após assistí-lo novamente!)

O texto escrito por Daniel Olivetto (valente defensor de Jeferson e Marisa no episódio "Aline") não aponta um único aspecto negativo da obra do grupo de Criciúma. Não há nenhum senão a ser levantado no mesmo? O espetáculo é perfeito? Duvido que os próprios atores e o diretor d"O Contra Regra" não tenham várias observações sobre o mesmo.

Eu vi o espetáculo duas vezes durante a programação do FITA e mesmo que possamos ter visões muito contrárias sobre um trabalho havemos de convir que o texto escrito por Daniel não condiz com a realidade. Desculpem a ironia, mas talvez um pouco de anonimato para o autor esquecer que estava escrevendo sobre um grupo de amigos faria bem ao seu juízo crítico.

E como já disse Barbara Heliodora em uma entrevista de 2003: "Se uma pessoa faz uma coisa que está toda errada e você, para ser bonzinho, diz que é ótimo, ela vai piorar cada vez mais. O ideal seria se todos tivessem um amigo que dissesse: "Isso está um horror, não está pronto, está uma porcaria." Há muita auto-indulgência. É preciso que se diga a verdade, mas a minha verdade não é de papa. Há vários críticos, cada um tem a sua opinião."

* segue abaixo o texto do Daniel Olivetto, como prometido:

O(S) CONTRA-GREGA(S)

Crítica sobre o espetáculo “O Contra-regra” do Cirquinho do Revirado [Criciúma – SC]
Por Daniel Oliveira da Silva [Daniel Olivetto]

Trabalho da disciplina de Crítica Teatral I, ministrada pelo Prof: Stephan Baumgäertel, no Curso de Licenciatura em Artes Cênicas do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Graduandos em Artes Cênicas pelo CEART – UDESC. Atores e diretores da Companhia Experimentus (Itajaí – SC).



A história do teatro é repleta de luz e de sombra. Há aqueles que estão no foco, no centro da cena - os atores - em geral os sujeitos mais admirados talvez por desenvolverem um ofício dito virtuoso e cheio de mistérios. Depois temos o diretor e o autor, objeto de admiração de muitos, criadores que ocupam outro tipo de foco, mesmo que não expostos à luz dos refletores. Depois temos cenógrafos, figurinistas, técnicos, em geral pouco conhecidos, ainda que saibamos o nome de pelos menos alguns. Mas, alguém se recorda do nome de algum contra-regra?

O ambiente circense e seus bastidores é o espaço de “O Contra-regra”, montagem do Cirquinho do Revirado, de Criciúma, apresentada no Teatro Municipal de Itajaí há duas semanas, espetáculo que traz à cena uma bem humorada discussão sobre estas hierarquias nos focos teatrais, sobre os que ocupam um lugar sob os refletores a aqueles que mal lembramos existir. No circo, nossos olhares estão sempre sobre o mágico, a bailarina, o equilibrista, os palhaços, e tantas outras atrações. Mal sabemos que logo ali, atrás da lona, num espaço caótico e cheio de objetos, roupas, adereços, há um personagem central para um bom espetáculo: um contra-regra.

Na montagem do Cirquinho do Revirado, grupo que há cerca de dez anos vem se dedicando a distintas formas de trabalho com bonecos e com as linguagens circenses, o ator Reveraldo Joaquim atua por meio de um boneco preso ao seu corpo, compondo o personagem título da obra. As pernas e braços do ator servem de membros ao boneco, enquanto o tronco e a cabeça do boneco são independentes, formando uma figura que praticamente funde ator e boneco: espuma, látex, tinta, mecanismos fundidos a um organismo vivo. Assim, nosso contra-regra é um grande e magrelo ator-boneco, de trejeitos cômicos, por vezes perversos, e até misteriosos.

A platéia está posicionada do outro lado da lona e nosso espetáculo conta a história de uma noite do contra-regra – se é que há a busca por uma história. Atrás cortina que divide picadeiro e bastidores vemos o contra-regra em meio aos seus “a fazeres”, enquanto se projetam na lona ao fundo da cena, sombras dos números que a platéia do circo assiste. Há, portanto, uma inversão de foco proposta pelo do espetáculo: assistimos ao outro lado da exibição de uma noite circense em seu tempo real acompanhando os bastidores e o agitado trabalho de nosso personagem central. Ele passa roupa, puxa corda, limpa chão, entrega os adereços dos números aos personagens, prepara a cartola do mágico, amarra sapatilha da bailarina, encoraja o anão a entrar em cena, vende pipoca, e ainda é a atração de um número de salto mortal ao fim da peça. Em meio a tudo isto ainda arruma tempo para cuidar de sua comparsa, um boneca por ele manipulada... cuidados que lhe preenchem estes poucos tempos que sobram.

Do lado de cá, acompanhamos os números que o circo exibe do lado lá, não apenas por meio das sombras projetadas na cortina, mas também através da trilha sonora que brinca com as sonoridades dos antigos circos, os ruídos animais, e as falas do apresentador, tudo numa única composição, criando uma sonoridade constante do lado de lá e um silêncio no plano do contra-regra.

A dramaturgia parece simples: estamos assistindo a uma noite na vida de um contra-regra. Não sabemos quem é mesmo este sujeito. Não parece ser o objetivo da montagem que saibamos se há alguma força que o impede de ocupar outra função. Ele é feliz ali? Ele se sente mesmo sozinho? Para onde vai o contra-regra quando acaba a sessão? A dramaturgia propõe o acompanhamento do momento presente, suas imagens e curtos acontecimentos, não estabelecendo uma dramaturgia tradicional, já que não parece haver um grande conflito a ser desenvolvido. Os pequenos conflitos que surgem se resolvem ao fim de cada número e outra tarefa surge para o contra-regra, e assim sucessivamente. A história aqui é a história de um dia, como nossos dias às vezes podem render um bom texto feito de pequenas histórias, fragmentos que mais pretendem sugerir do que responder.

Uma dramaturgia com aberturas como estas parece alimentar as possibilidades de sobreposição que o espetáculo apresenta. A sobreposição de níveis de atuação-manipulação, por exemplo, é bastante inquietante e precisamente realizada. Reveraldo que atua por meio do boneco “contra-regra”, ainda manipula a pequena comparsa por meio do próprio “contra-regra”. O que parece complexo no verbo soa bastante natural na cena, assim, deixando claros os momentos em que a boneca está em cena como um objeto - em meio a tantos outros na bagunça dos bastidores -, e os momentos em que esta ganha vida por meio da manipulação de outro boneco para lhe fazer companhia. A relação entre o contra-regra e sua pequena comparsa rende os momentos lacrimosos na trama... e enquanto nos emocionamos, ouvimos fungadas e suspiros pela platéia, em momentos criados com delicadeza, sem cair na emoção fácil.

Chama a atenção em “O Contra regra” variadas camadas que o espetáculo desenha tanto sentido da atuação-manipulação, quanto nas relações entre o espaço de lá e de cá. Normalmente ao ver um espetáculo, sentimos uma grande curiosidade pelo que está do outro lado da cena, para ver como os são os bastidores (Como ocorrem os truques? Como são os mecanismos? Como o cenário é trocado tão depressa?) Aqui a curiosidade é oposta: vendo os bastidores, nos fica o desejo de conhecer os números do circo, que só acompanhamos por sombras e sons. Assim, a direção de Jackson Zambelli costura de forma delicada e precisa nossas possibilidades de estar lá e cá.

O contra-regra é o sujeito sem o qual o circo nunca funcionaria. Seu trabalho, pouco reconhecido, escondido fora da área de luz, é o que permite que cada coisa esteja em seu devido lugar, e faz com que tudo funcione precisamente (ainda que o bastidor após a apresentação esteja intransitável de tantos objetos pelo chão). Mas, em determinado momento do espetáculo, me dou conta de que ali atrás há uma atriz (Yonara Marques) que é a contra-regra da peça. Quem se despe da sapatilha e as atira para o contra-regra (Reveraldo) é uma outra contra-regra, e não a bailarina. O mágico que lhe entrega a cartola é também Yonara. Ainda que só possamos nos dar conta disto ao fim da peça, a dimensão que está no limite entre o real e o ficcional é talvez o elemento mais sensível do trabalho: perceber que nada funcionaria sem uma contra-regra lá e um contra-regra cá. No espaço ficcional de lá há todo um circo, mas no espaço real de lá há “apenas” Yonara, a contra-regra, em meio a uma bagunça de objetos e apetrechos igual a que Reveraldo está envolto do lado de cá. Particularmente, penso que a história de “O Contra-regra” é esta história de uma noite, um trabalho que nos atira na bagunça dos bastidores pra falar de nossas próprias funções no teatro, os que estão do lado de lá, os que estão do lado de cá. Os que estão na luz e os que estão nas sombras, seja a luz e a sombra o que quer que pensemos.

sábado, setembro 20, 2008

Discutir Teatro que é bom, nada!

Está acontecendo mais uma disputa na cena teatral de Florianópolis e como fui citada no artigo publicado no DC, reproduzido aqui em um dos pólos da discussão, achei por bem escrever e responder algumas coisas:

Sobre ética e crítica em Florianópolis:

Li e reli a carta enviada ao DC por Jefferson e Marisa sobre os últimos "acontecimentos" na cena teatral de Florianópolis. Já que fui citada, me senti na obrigação de responder à algumas colocações feitas por ambos. Antes de mais nada quero dizer que concordo com tudo o que expuseram no texto, menos com os ataques pessoais a esta ou aquela pessoa, mas gostaria de contribuir colocando algumas idéias.

Minha opção pelo anonimato veio do fato único e exclusivo de conhecer minimamente o movimento teatral catarinense e por covardia. SIM! Eu sempre soube que qualquer opinião mais isenta colocada a publico por aqui geraria "represálias" e ataques pessoais.

Não fui a única pessoa na história da humanidade a escrever sob um pseudônimo. Ao mesmo tempo, nunca foi minha intenção gerar "desconforto" e "ira" entre a classe. Por este mesmo motivo, parei de escrever sobre os espetáculos produzidos por aqui.

Acho engraçado que alguns artistas não tenham se sentido intimidados quando as críticas (que eu sempre chamei de comentários e impressões pessoais) eram positivas. Nunca vi nenhum desconforto quando nos textos que eu escrevia havia elogios as produções. Eu sempre busquei ressaltar os pontos positivos e negativos dos espetáculos e se não havia positivos é porque eu (dentro de minha ignorância) não os havia conseguido encontrar.

Não posso ser acusada de ter praticado "falsidade ideológica" porque não obtive nenhuma "vantagem" no fato de me manter no anonimato. Fui, repito, covarde! E hoje minha opção revela-se acertada.

De qualquer forma acho todas as reações nesse caso um pouco "acima do tom". Reações muito pessoais para algo não tão grave. Não foi a primeira vez que Jefferson e Marisa foram questionados sobre seu trabalho. Ou foi? Porque há a necessidade de se saber o "pedigree" de alguém que foi ao teatro e não conseguiu se comunicar com o espetáculo? As pessoas tem opiniões diversas e talvez a falta de percepção sobre o trabalho de vocês seja um problema da pessoa e não do espetáculo. Cabe à vocês filtrarem o que lhes interessa e se julgarem um monte de asneiras, deletarem e seguir adiante.

Não vi nas coisas que foram escritas nenhuma calúnia, difamação ou má fé! Vi sim falta de comunicação, ignorância e falta de diálogo.

Realmente falta à Santa Catarina a presença de um crítico "renomado" (segundo palavras do texto)? Ou será que a ausência dessa pessoa não se deve ao patamar de mercado e produção do estado?

Concordo que o exercício da crítica é baseado na troca, por isso, enquanto escrevia, sempre tive o cuidado de dar seguimento as discussões que surgiam levantadas por meus escritos. Lembro-me claramente de ter dado continuidade aos questionamentos levantados por Jefferson no momento que escrevi sobre um trabalho dele e de ter "tentado" responder a avalanche de falta de respeito de outros produtores.

Jeff, por favor, acompanho sua carreira há muito tempo... desde sua participação como ator no Women's (lembra?) e sempre admirei a forma como você estava aberto às discussões sobre os trabalhos. Espero realmente que você não caia no erro maior dos artistas desta ilha: Se colocar acima do bem e do mal, envoltos na glória de ser "famoso" em um estado que pouco tem feito por seus artistas!

PS: Não conheço Aline Valim, mas já tenho uma idéia de como ela vê teatro pelas coisas que tenho lido aqui. Nem tudo eu concordo. Mas nem tudo é de se jogar fora!

PS2: Não sou Marco Vasques! Se ele afirmou isso em alguma mesa de bar, isso fala do descontrole pessoal dele e não de mim.

PS3: Quem quiser falar comigo, pode utilizar o e-mail sara.kane.sim@gmail.com ... afinal, com quantas pessoas "reais" ultimamente vocês conversam que não seja por e-mail?

sexta-feira, setembro 14, 2007

Diversas formas de Ver a Cultura Popular!




O Festival Palco Giratório do SESC segue a todo vapor! Pelo teatro do SESC Prainha continuam passando as mais distintas produções teatrais do país e quem está perdendo a chance de acompanhar estes espetáculos, está perdendo a chance de entender um pouco mais sobre a produção das artes cênicas contemporâneas.

Durante esta semana tivemos a oportunidade de ver duas abordagens distintas da cultura popular que resultaram em dois espetáculos belíssimos, por motivos totalmente diferentes.

Do Rio Grande do Sul veio Sacy Pererê - A Lenda da Meia Noite, com a Cia. Teatro Lumbra de Animação, de Porto Alegre. Do Ceará veio Histórias de Teatro e Circo, com a Carroça de Mamulengos, de Juazeiro do Norte. Ambos os grupos trouxeram um outro espetáculo que, infelizmente, não pude assistir.

O espetáculo da Cia. Teatro Lumbra é inspirado no primeiro livro de Monteiro Lobato, contando uma história de Sacy assombrando um viajante. Para poder seguir viagem e reaver seus pertences, que o negrinho havia levado, este tem que demonstrar coragem e caçar a criatura. Com concepção e direção de Alexandre Fávero, que também atua junto a Flávio Silveira, o espetáculo exige coragem também das crianças, pois investe no clima de assombração e transforma o cenário em uma tela de sombras cinematográfica. As músicas e a beleza das imagens encantam o público de todas as idades com a releitura dessa história tão popular que ganha requintes estéticos.

Não há uma área ou elemento do espetáculo que não tenha sido pensada e, provavelmente, repensada. Nada é gratuito, tudo seu refinamento e acabamento impecável. Merece menção a direção de arte, assinada pelo próprio diretor (nada mais adequado do que ir buscar este termo nas fichas técnicas do cinema) e a cenografia, extremamente criativa.



A Carroça de Mamulengos nos traz a antítese perfeita do espetáculo anterior. Não estou colocando isto aqui como um critério de qualidade. Sua riqueza não está no acabamento da cenografia, nem na qualidade dramatúrgica (praticamente inexistente). Mas, é impossível não se render a esta família que carrega nas veias a arte pura, quase naif. Se o Sacy utiliza-se da cultura popular para criar um espetáculo, a família Gomide "é" a cultura popular.

O espetáculo é uma sequência de "brincadeiras" que nos apresentam vários personagens dos folguedos populares. Com muita música ao vivo e intervenções públicas vai conquistando os passantes do largo da alfândega. A burrinha, a cabrinha, o dragão, além da impagável "Miota" nos levam para um tempo que não é este que estamos vivendo. Assisti-los é como voltar para algum lugar perdido de nossa infância. Quem quiser encontrar no espetáculo algo além disso, está no local errado.

De todas as formas, seja por que caminhos for, a cultura popular ainda conseguiu render dois bons espetáculos. Muito diferente de outras produções que só utilizam a chita porque é uma matéria-prima barata e fácil de usar. Estas experiências nos mostram o contrário: Ou você é um artista popular ou você precisa criar com muito requinte para poder incorporá-la. Se não puder estar em um destes dois lados, nem entre em campo!

segunda-feira, setembro 10, 2007

Rio X São Paulo



Há muito existe um mercado teatral apoiado no pólo Rio X SP. Se, por um lado, este pólo parece, pelo menos olhando daqui de Santa Catarina, um bloco uniforme onde a produção teatral ganha cara e força de mercado cultural, basta colocá-los lado a lado em um festival que as diferenças gritantes começam a evidenciar-se e chamam a atenção até dos mais desavisados.

Não se trata de reafirmar a defasada idéia de que São Paulo é o berço do teatro dito de pesquisa e que o Rio de Janeiro é a casa das produções comerciais e superficiais. Tais afirmativas jogadas ao acaso são sempre limitadoras e preconceituosas em relação ao trabalho desenvolvido nestes grandes centros. Há muito podemos observar produções realizadas nestas cidades que contradizem essas afirmações. Agora, o que parece ser uma herança vinda destas tradições teatrais é uma certa diferença nos tratamentos visuais dados aos espetáculos. Um bom exemplo disto são os dos últimos espetáculos que assisti no Festival Palco Giratório nesta semana que passou.

De São Paulo veio Gota D'Água - Breviário com a Cia. Breviário, dirigidos por Heron Coelho e Georgette Fadel. O espetáculo, uma adaptação da Gota D'Água de Chico Buarque e Paulo Pontes ( que por sua vez é uma adaptação do mito grego Medéia para a realidade carioca) conta a história de Joana, mulher abandona pelo marido Jasão, sambista que acaba de gravar seu grande sucesso e que a abandona para casar com a filha de um empresário. Assim como no mito grego, o amor desmedido de Joana se converte em um ódio enlouquecido que acaba na morte dos filhos do casal pela mãe, seguida de suicídio (na versão brasileira).

Construído dentro de uma perspectiva épica, em palco arena, a direção praticamente abre mão de qualquer artifício imagético para se fixar na força das palavras e ações contidas no texto e nas músicas contidas no espetáculo, criando uma cena crua e dura de suportar nas 2 horas e meia de espetáculo. O texto, que se mantém brilhante, apesar de um pouco datado, e a interpretação de Georgette Fadel fazem valer a ida ao teatro. Fadel oferece uma variada gama de nuances à sua Joana e canta com propriedade. O restante do elenco (Cristiano Tomiossi, Alexandre Krug, Luis Mármora, Daniela Duarte, Flávia Melman, Luciana Paes de Barros, Alessandro Penezzi e Miró Parma) esforça-se para manter a cena viva, nem sempre atingindo este objetivo.




Do Rio de Janeiro vem Viagem ao Centro da Terra, com a Cia. de Teatro Artesanal, em um espetáculo voltado ao público infanto-juvenil, com direção artística de Gustavo Bicalho e Henrique Gonçalves. O espetáculo, adaptado do clássico romance de Júlio Verne, é de uma incrível concepção imagética, rico em detalhes e com uma grande variedade de técnicas narrativas, partindo da atuação e passando pela narração, cinema e teatro de bonecos.

O elenco (Cid Borges, Edeilton Medeiros, Kátia Kamello e Nilton Marques) tem plena noção do jogo em que se envolve, realizando transições de tempo e espaço para contar a história que parece impossível de ser realizada no teatro. Merece menção também os belíssimos figurinos e adereços assinados por Fernanda Sabino e Henrique Gonçalves e a iluminação de Alexandre Nazareth.

A maior dificuldade do grupo parece ser realmente dar conta de um pesado volume de texto, necessitando de inventar jogos e ações que não se relacionam diretamente com o que está sendo contado. Parece oferecer aos espectadores "pequenos alívios cômicos" para a história maçante, o que não é de todo verdade. O clima de aventura extraordinária parece ser a grande chave do espetáculo - caberia apostar mais nesse sentido.

De toda essa relação entre Rio e São Paulo, uma coisa é certa: Por mais que se tenha uma cena crua (como em Gota d'Água) ou exuberante (como em Viagem ao Centro da Terra) é indispensável a presença de atores com preparação e competência para mantê-las. Georgette Fadel e o elenco da Cia. de Teatro Artesanal nos mostram essa verdade.

quinta-feira, setembro 06, 2007

Grandes Personagens, Espetáculos à altura!




O Festival Palco Giratório, realizado pelo SESC, segue sua programação, trazendo sempre diversidade para a cena de Florianópolis. Os espetáculos assistidos mais recentemente trazem aos palcos personagens marcantes, sejam eles reais (Mario Lago) ou ficcionais (Capitú e Bentinho).


No dia 04 foi a vez de Capitú - Memória Editada, adaptação do romance Dom Casmurro de Machado de Assis pelo Grupo Delírio de Teatro, de Curitiba, PR.


Edson Bueno (autor e diretor) cria com seus atores uma linha paralela (metalinguística) ao romance original, sem perder nada de seu conteúdo e tornando-o atraente como linguagem teatral. Não é a toa que o espetáculo já recebeu os prêmios Gralha Azul de melhor espetáculo, direção e texto. O elenco (Janja, Regina Bastos, Marcelo Rodrigues e Tiago Luz) parece compreender e compactuar com as idéias do diretor, fazendo com que o espetáculo se torne compacto e adquirindo uma unidade impecável.


A produção do espetáculo também está criada corretamente, sem grandes arroubos de genialidade, mas condizente com as necessidades do trabalho. Merece uma menção especial a iluminação criada por Beto Bruel. No todo, um espetáculo que se sustenta do início ao fim, realizado com inteireza e competência.


No dia 05 foi a vez de Ai, Que Saudades do Lago!, novamente com o Núcleo Informal de Teatro, do Rio de Janeiro, RJ. O espetáculo repete a fórmula do outro trabalho da Cia (vide comentário anterior), inclusive com o mesmo elenco, direção e autor. Devo confessar que fiquei admirada com a versatilidade da atriz Claudia Ventura, que vai do cômico ao dramático em um piscar de olhos, qualidade esta extremamente necessária neste tipo de espetáculo narrativo.


Uma pequena modificação no formato do espetáculo é a incorporação à cena de elementos multimídias. Tanto o documentário exibido ao início do espetáculo quanto às imagens projetadas durante o mesmo nos auxiliam a compreender melhor as situações. Não é um elemento indispensável, mas também não prejudica o bom andamento da obra.


O festival segue até o dia 29. Ainda há muita coisa para se ver no SESC Prainha.

segunda-feira, setembro 03, 2007

Um Giro pela Diversidade Teatral!



Começou, neste sábado, na unidade do SESC Prainha o Festival Palco Giratório Brasil / Florianópolis. Uma mostra de artes cênicas que traz à cidade os espetáculos que participam do Circuito Nacional de Espetáculos realizado pelo Serviço Social do Comércio.

Louvar esta realização nunca é perda de tempo. O SESC e essa ação, hoje em dia, são as maiores programações envolvendo a arte teatral. Além de realizar centenas de apresentações em todo o Brasil, o projeto também prevê oficinas, festivais, cursos, debates e toda uma sequência de festivais e encontros que mantém vários grupos atuando. Ou seja, é opção de lazer e entretenimento para milhares de pessoas e opção de trabalho para muita gente.


Em Florianópolis a programação foi aberta, no dia primeiro, pelo Grupo Depósito de Teatro, com o espetáculo Aquelas Duas. Fundado em 1988, em Porto Alegre, RS, o grupo foca seu trabalho no teatro popular, buscando o resgate da dramaturgia brasileira, e na busca de um espaço onde se possam criar relações mais próximas entre espectadores e atores.

O espetáculo (que não tem assinatura de direção na ficha técnica) foi criado a partir de improvisações criadas pelas atrizes Liane Venturella e Sandra Possani. O material resultante do trabalho inicial recebeu tratamento dramatúrgico de Nelson Diniz (que também assina a orientação para a atuação). Nele, conta-se a história de duas prostitutas que dividem uma casa e suas ações cotidianas e repetitivas. O texto parece beber, em alguns momentos, em trabalhos do teatro dito absurdo, principalmente no jogo da "dupla" que não se suporta mais e não consegue partir. Algumas cenas levam as personagens a indagações metafísicas, outras passam pelos mais banais dos momentos buscando encontrar raízes mais profundas para tais ações.

A produção do espetáculo é bem realizada, com figurino e maquiagem de Heinz Limaverde, um belíssimo cenário de Nelson Diniz e Serginho Etchichury e uma luz correta de Cláudia de Bem. A atuação é também correta, talvez um pouco prejudicada pela falta de consistência do texto. Um espetáculo que resulta em momentos instigantes, mas que peca pela falta de unidade.


Nos dias dois e três, a programação seguiu, trazendo do Rio de Janeiro, RJ o espetáculo Antônio Maria - A Noite é Uma Criança do Núcleo Informal de Teatro. O musical, dirigido por Joana Lebreiro, tem no elenco os atores Cláudia Ventura, Alexandre Dantas e Marcos França (que também assina o texto) e os músicos Fabio Nin, Daniel Máximo e Geórgia Câmara (fazendo um belo acompanhamento, diga-se de passagem).

Para contar (literalmente) a história do compositor pernambucano, a direção opta por ambientar o palco como um bar, reduto da boêmia carioca, onde Antônio Maria passa a maior parte de suas noites na companhia de outros intelectuais da época. Bares estes onde o mesmo irá falecer em 1964, vítima de ataque cardíaco.

Se em Aquelas Duas o público era convidado a participar de uma interpretação estilizada, neste Antônio Maria o que impera é o realismo (quase televisivo). O espetáculo funciona muito bem, agradando ao público pela qualidade vocal e trazendo uma interpretação impecável de Cláudia Ventura. Só a possibilidade de vê-la cantar e interpretar já vale o valor do ingresso.

O festival se estende até o dia 29 deste mês. Se você ainda não tem, corra até o SESC e pegue a sua programação! A julgar pelas duas primeiras atrações, algumas das melhores produções do país estarão em Florianópolis em setembro. Aproveite!